Vale a pena começar uma política de preço mínimo anunciado (PMA)?

Vale a pena começar uma política de preço mínimo anunciado (PMA)?

09 Mar, 2022

Quer saber se vale a pena começar uma política comercial através da definição de um preço mínimo anunciado (PMA)? Veja nesse artigo um case da gigante americana Seagate e os resultados que ela obteve

O varejo mudou muito de alguns anos pra cá graças a internet, e essas mudanças se estendem ao longo de toda sua cadeia. Antigamente, o varejo costumava se organizar como na figura abaixo. Não leve-a como regra: algumas varejistas pequenas conseguem negociar com fábricas, assim como algumas distribuidoras vendem para o consumidor final no atacado, porém, são as exceções, e não os casos mais comuns.

Porém com a internet, novas conexões passaram a ser feitas dentro da cadeia do varejo, algumas eliminando intermediários, assim como outras que adicionaram mais etapas a cadeia. Confira alguma conexões que surgiram com a internet:

  • Marketplaces, que adicionam uma etapa adicional na cadeia, intermediando pequenos varejistas e consumidores finais.
  • Atacados, que vendem diretamente ao consumidor final pela internet.
  • Dropshippers, que compram diretamente de fábricas e distribuidoras, de onde o produto é enviado diretamente aos consumidores finais.

Como a política de preço mínimo anunciado afeta cada etapa da cadeia

Mas porque estou falando de cadeias comerciais do varejo em uma artigo sobre política de preço mínimo anunciado? Pois sua estrutura afeta diretamente os preços que são praticados por cada participante dessa cadeia. Para se ter uma ideia sobre o caso da Seagate: o compliance com o preço mínimo anunciado é maior entre os revendedores diretos (1P - first party retailers) - 78% a 85% dos revendedores não violam a política comercial - do que para revendedores indiretos (varejistas pequenos).

O relacionamento direto entre grandes varejistas e fabricantes costuma ser longamente datado, o que só é possível de ser mantido através de respeito mútuo, tornando o contato mais eficiente e frequente, colaborando para a construção de confiança, e consequentemente o firmamento do compliance entre as partes. Quando são adicionadas mais participantes verticais à cadeia comercial, o fabricante pode perder controle de quem vende para quem, ao passo que o contato é reduzido, onde a relação comercial é recente ou até mesmo inexistente entre a fabricante e quem vende na ponta.

Outro ponto que leva revendedores menores a violarem mais as políticas comerciais são suas estratégias de marketing, que são muito mais limitadas do que a de grandes marcas e varejistas, tornando o preço competitivo uma das únicas ferramentas com as quais esses conseguem se manter no mercado.

Por isso, quando falamos de quais são os resultados de uma política de preço mínimo anunciado, precisamos pensar em como cada agente em cada etapa da cadeia comercial vai se comportar.

O que acontece com o preço de produtos com PMA e produtos sem PMA?

Primeiramente, se você ainda não certeza sobre o conceito de preço mínimo anunciado, sugiro que leia esse artigo da Hooklab que explica o conceito por completo.

O caso que vamos analisar aqui é da empresa Seagate, que vende dispositivos de armazenamento. Apenas uma parte do portfólio de produtos da Seagate é vendido para consumidores finais, e entre alguns deles estão HDDs (hard disk drives) e SSD’s (solid state drives). Alguns produtos da Seagate possuem PMA assim como outros não o possuem. Essa escolha é principalmente pautada na concorrência entre marcas dos produtos da Seagete: se um produto em específico tem muitos concorrentes de outras marcas, e consequentemente incentivo para preços mais baixos, é mais comum o estabelecimento de um PMA.

Produtos de informática possuem imensa concorrência no on-line, assim como também tem um volume de vendas gigantesco: para se ter ideia o mercado online de hardware e software é um dos maiores dos Estados Unidos, representando 52% do total de suas vendas, e a Seagate é uma das duas empresas que fazem parte do duopólio americano de produção de dispositivos de armazenamento.

O preço mínimo anunciado é uma prática antiga, porém ela vem ganhando mais espaço por causa do impacto da internet nos hábitos de compra dos consumidores. Para a Seagate, políticas de preços não são uma coisa nova: ela colocou em prática sua política de preços mínimos em 2009 com seus revendedores. Um dos motivos para o aumento de seu emprego é a possibilidade que a internet oferece de monitorar a efetividade da política de preços, que pode ser realizada através do monitoramento de preço de revendedores.

Na Seagate, a política de preço mínimo anunciado funciona da seguinte forma: existe uma lista de produtos que estão sobre o PMA, se os varejistas venderem acima desse preço, eles ganham uma verba da Seagate para publicidade, e, se venderem abaixo do PMA, perdem o direito a essa verba. Matematicamente falando, os varejistas apenas venderiam seus produtos abaixo do PMA caso essa redução de preços conduzisse a um aumento de receita que supere as verbas de publicidade da Seagate e o retorno que elas trazem.

No estudo realizado por Daniel Asmat (Departamento de Justiça dos EUA, Divisão Antitruste) e Chenyu Yang (Departamento de Economia da Universidade de Maryland) se encontrou que produtos que possuem uma política de preço mínimo anunciado reduzem o grau de competição de preços para os consumidores finais.

Porém, como eles chegaram a essa conclusão? Eles analisaram os dados de preços de 10 grandes varejistas americanas (Amazon, Walmart, Best Buy, Newegg, TigerDirect, Fry’s, Rakuten, Micro Center, CDW e Insight) por três meses, assim como o tráfego desses sites.

Analisando esses dados eles encontraram os seguintes resultados:

  • Quando os revendedores da Seagate estão com seus preços abaixo do preço mínimo anunciado, eles mantêm esse preço igual por mais tempo (58% dos dias tiveram preços iguais).
  • Quando os revendedores estão com o preço acima do preço mínimo anunciado, eles alteram esse preço com maior frequência (apenas em 11% dos dias os preços dos produtos permaneceram iguais).

E o que isso quer dizer? Que varejistas que precificam abaixo do PMA alteram seus preços com menos frequência e têm seus preços próximos entre si, e que varejistas que precificam acima do PMA têm preços mais voláteis. Esse resultado pode parecer estranho de imediato, porque não estamos analisando toda a cadeia comercial: precisamos incluir os consumidores nesse processo.

A relação dos consumidores com o preço mínimo anunciado

Com a internet os consumidores possuem um leque de ferramentas com as quais podem pesquisar e comparar preços, conhecer novos sites e escolherem de quem comprar. No Brasil temos mecanismos como o Zoom e o Buscapé que permitem comparar preços de produtos, o Google Shopping que mostra várias ofertas de diferentes lojistas, assim como lojas procurando fidelizar seus clientes através de sistemas de pontos, cashbacks, etc.

Essas ferramentas reduzem os “custos de procura” dos consumidores, ou seja, se gasta menos tempo procurando as ofertas mais interessantes para o consumidor. O mais surpreendentemente encontrado na pesquisa é que os consumidores costumam comparar preços entre vários lojistas apenas uma vez e então o compram, ao invés de monitorar o preço de um produto por vários dias em várias lojas. Como chegaram a essa conclusão? No estudo é encontrado que consumidores têm baixa probabilidade de visitarem múltiplos sites: a chance de um usuário visitar 2 diferentes sites numa mesma semana é menor do que 20%, o que leva a crer que os custos de procura são altos (ou que os compradores estão cada vez mais preguiçosos).

Vale lembrar que essa conclusão se dá para os produtos vendidos pela Seagate, que na época (2013) tinham ticket médio de 95 dólares. Em produtos com ticket médio maior, esse resultado pode se mostrar menos válido, como o artigo também conclui.

Os consumidores lidam com um número gigantesco de ofertas e preços que precisam comparar, e, podem fazer essa pesquisa de preços com maior intensidade ou com menor intensidade. Chamamos isso de intensidade de procura.

Quando os consumidores têm um aumento na intensidade de procura, é visto que os sites reduzem entre si a diferença entre seus preços, porém, esse efeito é menor quando existe o preço mínimo anunciado. Porque? pois o preço mínimo anunciado coloca um piso nos preços dos produtos, ao mesmo tempo que os mantém diferentes entre os varejistas.

Como os varejistas se comportam em relação à política?

Mesmo havendo um limite mínimo de preço, não é crível que revendedores sempre vão respeitá-lo, basta apenas uma pequena motivação, geralmente financeira, que eles podem romper esse limite. No estudo com os dados da Seagate, quando um lojista passa a violar o MAP, os demais acompanham esse movimento, visto que agora tem uma “justificativa”, ou motivação para reduzir seus preços a esse nível, no ditado popular: se ele fez, porque eu não posso fazer?

Além disso, é visto que é mais comum varejistas "empatarem preços” abaixo do preço mínimo anunciado. Qual a possível explicação? Mais cedo no artigo comentei que os preços acima do PMA são mais dispersos e voláteis, e que preços abaixo do PMA são mais estáveis e têm menores diferenças entre si. Porém, não incorporei a análise a perspectiva dos consumidores: a preguiça nos consumidores faz com que produtos com PMA violado levem a redução na pesquisa de preços, porque é possível que um lojista esteja vendendo muito abaixo dos outros, e, consequentemente, reduza a necessidade de “pesquisar preços”.

E como os varejistas podem saber disso? Através de ferramentas como o Google Analytics, que permitem acompanhar o tráfego de uma página em específico, assim, pode-se verificar quando ela é mais ou menos visitada e utilizar como métrica para intensidade de pesquisa. Não se terá os dados do site do concorrente, porém, se trabalha com a informação que se tem.

Assim, se os varejistas identificarem que a intensidade na pesquisa aumentou, eles têm incentivos para baixarem os seus preços, ainda mais se o PMA tiver uma gordura para ser queimada.

Conclusões

A internet mudou fortemente a estrutura organizacional do varejo, criando novas conexões entre diferentes players, adicionando etapas em alguns caminhos assim como removendo etapas em alguns.

Cada player está em uma fase da cadeia, e isso condiciona suas estratégias comerciais. Não se pode esperar que varejistas 3P (ex.: lojistas parceiros em marketplaces) pratiquem preços dentro da política comercial com maior frequência do que varejistas 1P (ex.: e-commerces).

O PMA é capaz de firmar um preço mínimo sim, porém, nem sempre esse limite será respeitado, podem existir oportunidades no mercado onde ficar dentro desse limite não seja a melhor estratégia para o varejista, e ele reduza seu preço abaixo do PMA. Essa redução pode levar a outros varejistas acompanharem esse movimento. O importante é que essa situação não se estenda por um grande período de tempo.

Consumidores pesquisam e comparam preços, isso é um fato. Porém, essa pesquisa pode ser mais intensa de acordo com as características e preço do produto. Varejistas respondem a esse aumento na procura através de redução de preços em seus produtos, porém, quando existe um MAP, essa redução é menor.

Escrito porRamon Bertotto

Head de Marketing na Hooklab e Graduando em Economia na UFSC